terça-feira, 10 de agosto de 2010

Entrevista com Teresa Lopes Vieira - autora de "Os Diários da Mulher Peter Pan"

Teresa Lopes Vieira nasceu em Lisboa, em 1984. Licenciou-se em Direito pela Universidade Nova de Lisboa e, desde então, tem vindo a dedicar-se à escrita. Os Diários da Mulher Peter Pan foram escritos enquanto viajava pela Europa e pela América do Sul. É o primeiro livro da autora.

Teresa Lopes Vieira, autora de "Os Diários da Mulher Peter Pan" teve a amabilidade de nos responder a algumas perguntas.

Páginas Desfolhadas: Como surgiu a ideia de escrever este livro?
Teresa Lopes Vieira: Há cerca de três anos fiz uma viagem de vários meses pela América do Sul, que me marcou bastante. Passei, entre outros, pelos países de que trata o livro (Equador, Colômbia, e Venezuela). Quando decidi dedicar-me à escrita, o meu ponto de partida foi justamente essa viagem, uma experiência que me inspirou bastante. Além disso, queria escrever algo que fizesse as pessoas sonhar. Tal como o nome indica, este romance fala de uma mulher que descobre uma segunda juventude, em que tudo lhe pode acontecer. Pareceu-me que isso poderia oferecer aos leitores uma perspectiva nova e interessante sobre a vida.

PD: Diana sofre uma série de peripécias ao longo da narrativa. Estas estavam definidas desde o início, ou foram surgindo ao longo da viagem?
TLV: Algumas foram pensadas e idealizadas previamente, outras começaram a surgir ao longo do processo de escrita. Mas a verdade é que se tratou de evolução constante, em que as personagens determinavam os acontecimentos, e vice-versa.

PD: Descreve, ao longo do livro, lugares belos e recônditos por onde Diana passou. São lugares reais, por onde também a Teresa passou, ou sentiu necessidade de idealizar alguns deles? 
TLV: Os locais geográficos, pelos quais eu própria viajei, são verdadeiros. Foi uma das coisas que mais prazer me deu, dar a conhecer aos Portugueses alguns cenários que eles tão pouco conhecem, e que são absolutamente espectaculares. São-no mesmo, não foram idealizados. 
No entanto, tratando-se de um romance, é inevitável que alguns deles sejam vistos pelos olhos emocionados da personagem, e nesse sentido a sua descrição acaba por conter inevitavelmente uma certa carga subjectiva.

PD: Diana cruza-se, ao longo com viagem, com povos diferentes, com múltiplas origens e hábitos díspares. Esta pluralidade é real? 
TLV: Sim. Equador, Colômbia e Venezuela são três países muito marcados pelo período colonial, e consequentemente a sua população, a nível étnico e cultural, é bastante heterogénea. No Equador nota-se uma dualidade entre os mestiços de espanhóis e ameríndios, e as etnias indígenas, que são predominantemente Quíchua e Huaorari. Na Colômbia e na Venezuela, sobretudo nas zonas das Caraíbas, é patente a mescla entre os descendentes de Espanhóis, de Índios, e de antigos escravos negros. As etnias indígenas, com hábitos e línguas diferentes, são muitas vezes voluntaria ou involuntariamente ostracizadas; vivem nas periferias ou até mesmo nas selvas. 
Para quem visita os países, o contacto com estas realidades é uma experiência extremamente marcante, elucidativa.

PD: Algures no decorrer da viagem, talvez na altura em que esta se torna mais recôndita e afastada da realidade que conhece, Diana redescobre-se. Acha que este tipo de descoberta é, como acontece com a personagem principal, potencializado pela ausência de referências ou poderá acontecer num dia normal? 
TLV: Penso que haverá várias maneiras de uma pessoa se descobrir. Sobretudo se estiver, como Diana estava, a viver numa espécie de bolha, em pleno estado de negação em relação a tudo o que a rodeava. É normal que, face a essas circunstâncias, qualquer coisa que abale o seu equilíbrio seja susceptível de a fazer pôr as coisas em causa, e quebrar certos dogmas pessoais. Neste caso em particular, estamos a falar de uma descoberta fortíssima. A Diana encontra-se, por exemplo, sozinha no meio da selva, muito longe de todas as condicionantes que a faziam viver de uma certa forma em Lisboa. E então sim, a ausência de condicionantes fá-la ver que pode levar uma vida completamente diferente, caso o queira. Pois nesse momento ela é apenas a Diana, e não todos aqueles elementos externos que faziam a vida da Diana (o emprego, a família, e a sociedade em geral).

PD: Sem entrar em pormenores sobre o desfecho do livro, foi a surpresa final intencional ou esta surgiu inesperadamente quando escrevia os últimos capítulos? 
TLV: O desfecho foi mais uma consequência imposta pelas próprias personagens do que uma acção premeditada minha. Temos três personagens em permanente colisão, e nunca percebemos muito bem o porquê de tudo isso, ou onde é que nos estão a querer levar. Penso que o fim oferece uma resposta para esse mistério.

PD: Fala um pouco de política sul-americana e do tráfico de drogas, entre outros lobbies, dos quais só ouvimos falar pelos noticiários. Estas problemáticas estão presentes no dia-a-dia da povoação, ou são empolados pela comunicação social? 
TLV: As imagens que nos passam através dos meios de comunicação são limitadas, e por vezes tendenciosas. Levam-nos a crer por exemplo que a Colômbia é um país terrível, em que a insegurança reina, assim como as desgraças, o que não é de todo verdade. Existe um mundo inteiro para além disso. 
No entanto, a verdade é que esses problemas existem, e estão presentes nas consciências dos habitantes. Sobretudo nos das classes mais baixas, pois eles são as principais vítimas das deslocações consequentes da guerra civil, entre outras questões sensíveis. Contudo, o que acontece muitas vezes é que essa mesma população está empenhada em mostrar tudo o que de maravilhoso tem o seu país, justamente para contrariar essa imagem negativa que muitos estrangeiros têm. Frequentemente são imagens que se constroem em consequência de interesses políticos: lembro-me por exemplo de que ao chegar Venezuela todos pensavam que a Colômbia era um mundo de assassinos e terroristas, mas o mesmo se passava na Colômbia, em relação à Venezuela.

PD: Escrever sobre uma aventura sul-americana sendo uma mulher comum, enquanto viajava pela mesma região, fez com que a obra final fosse de alguma forma auto-biográfica? 
TLV: Penso que eu mesma tive aquela sensação de euforia ao descobrir realidades tão diferentes. Até então sempre vivera em países europeus, nos quais o quotidiano era extremamente previsível. Ali, todos os dias representavam uma aventura nova, e penso que esse sentimento foi transposto para o livro. 
Quanto ao resto, é claro que algumas pequenas peripécias foram inspiradas em coisas que me aconteceram, ou que vi acontecerem, mas depois transformadas de modo a encaixarem na ficção. São essas vivências, mas mais os cenários e as pessoas que se encontram no caminho, que apelam à criatividade.

PD: Trouxe consigo novos projectos? Continuarão ligados a esta área geográfica ou irá levar-nos até outra parte do globo? Poderemos esperar reencontrar algumas das personagens que criou? 
TLV: Tenho um projecto em mente, com o qual estou bastante entusiasmada, mas ainda é cedo demais para o revelar. Posso por enquanto dizer que a acção se passará numa parte muito diferente do globo, se bem que igualmente interessante. 
Quanto ao regresso de personagens, embora por enquanto não haja essa intenção, nunca se sabe onde é que o futuro nos pode levar… 

PD: Muito agradecemos a disponibilidade e oferecemos os nossos parabéns pela sua obra inaugural. Esperamos que muitas mais venham. 
TLV: Obrigada eu, pelo vosso interesse no meu trabalho.

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