Em Contos da Raia o leitor encontrará as mais deliciosas fábulas e lendas, as mais caricatas personagens humanas e animais e peculiaridades linguísticas e etnográficas essenciais ao património imaterial deste povo raiano. Tudo isto embrulhado pelas mais belas descrições da deslumbrante paisagem minhota.
Contos da Raia é um documento de incomensurável valor cultural.
O autor, Carlos Reys, adaptou um mentor ficcional, Guilherme Esteves, que o terá inspirado para a vida e que ele escolheu como personagem condutor de uma saga de pessoas que preenchem o tempo que vai do após a Primeira Guerra Mundial até aos nossos dias e cujas existências vão colorir uma cidade portuguesa, banhada por um rio que é fonte de sustento e de evasão de um Portugal oprimido até à libertação do 25 de Abril de 1974.Não sendo um livro histórico o retrato das personagens que o habitam é pelas suas características uma referência da sociedade média de Portugal do século XX.
«E o fim da história é sempre um começo. Talvez a melhor forma de começar algo seja inventar-me como personagem. Eventualmente desdobrar-me. Posso ser todos numa história. Afinal os outros são pedaços de mim e eu sou reflexo de todos com quem me cruzo. A originalidade, se houver alguma, reside na arquitectura que elaboro. Agrada-me ter vários nomes e estados e géneros. Sentir a várias vozes…
Não há recriação. Não vou contar a minha vida perspectivada por outros olhares. Vou antes dividir-me e deixar sair os outros de mim. Uns conheço bem, coabito pacífica e prazenteiramente com eles. Outros irrompem e espantam-me. Não sei quem são, mas estão lá. Abraço-os para não me assustarem. Sei o risco que corro: esquizofrenia absoluta. Mas não posso evitar o desafio, não posso proibir-me de ser todas as possibilidades.
Não saio de mim nem fujo de mim. Apenas tenho a coragem de assumir que não tenho centro. Essa é a minha provável solidez. (…)»
A lua, ou seja, o repouso e a calma da noite que ela significa, trazem a capacidade de entrar no próprio íntimo para auscultar as aspirações que jazem latentes em todo aquele que é capaz de lhe dar ouvidos.
A lua tem resposta para quase todas as dúvidas que se relacionam com a transcendência, a origem do cosmos e a história humana. Também sabe dar lições sobre as diversas religiões e, de uma maneira especial, sobre as religiões monoteístas.
Parece ter prazer especial quando fala de Jesus Cristo e do povo que Ele conquistou na cruz. Vale a pena ouvi-la falar da Igreja e da sua missão no mundo.
Leonardo tem dúvidas. Existirá alguém que as não tenha? Indigna-se também Leonardo, que é um direito que a todos assiste.
Mas as dúvidas e a indignação desta irreverente personagem não são suficientemente leves para que o vento lhas leve. Com o motivo de tanta dúvida e indignação no bolso – um velho livro de autoria desconhecida – Leonardo parte na busca de auxílio, que pensa vir a encontra junto de alguém que acredita ser quem melhor o poderá ajudar. Alguém que, aliás, há quem diga ser o filho do misterioso autor do livro.
É no deserto que encontra esse alguém providencial, só, imundo e ascético talvez. Alguém que acabará por beber nas dúvidas e na indignação de Leonardo a inspiração para o seu projecto: “ (…) conquistar estas terras a este seu senhor derrotando-o e assim fazendo-o conhecer a humildade de vir aos homens, em vez de se impor do seu trono intocável, inexorável e solitário numa solidão que o torna desconfiado, injusto, bélico e vingativo”.
Qual o fundamento de tanto ódio? Por que motivo Deus não intervém nessas alturas, se é omnipresente e omnipotente?
Respondendo a estas e outras questões, o presente livro tenta diluir desalentos e constitui-se como mensagem de fé, compreensão e perseverança.
Ilustrações de Ricardo Jorge Ladeira
Sem comentários:
Enviar um comentário