Manuel Gusmão na poesia e Isabel Cristina Pires Mateus, no ensaio são dois dos vencedores, por unanimidade, dos prémios Pen Clube 2008, anunciados ontem.
O livro A Terceira Mão de Manuel Gusmão, editado pela Caminho foi a obra poética escolhida pelo júri presidido por João David Pinto Correia e constituído ainda por Fernando Pinto do Amaral e João Barrento.
O prémio de Ensaio foi atribuído ex-aequo a Isabel Cristina Pinto Mateus , pelo obra Kodakização e Despolarização do Real – Para Uma Poética do Grotesco na Obra de Fialho de Almeida, publicado pela Caminho e a Frederico Lourenço pelo livro Novos Ensaios Helénicos e Alemães. O júri deste prémio foi presidido por Francisco Belard e constituído ainda por Ernesto Rodrigues e Eunice Cabral.
O prémio de ficção foi atribuído ao romance Myra, de Maria Velho da Costa.
A entrega dos prémios será feita pelo Presidente da República em data a anunciar.
«A terceira mão é uma outra hipótese
tentada : a reunião por um anel de fogonde dois que nada nem outrém ligariam, a terceira mão é a mão que te empurra para território desconhecido e aquela que te guia em terra de ninguém: no pavor que abala a noite do teu corpo, […]»
Com Fialho de Almeida (1857-1911), não é tanto o século XIX que termina mas o século XX que começa. A sua obra fragmentária e dispersa, oscilando entre a crónica, o panfleto, a crítica de arte, o ensaio e a narrativa, desafia qualquer tentativa de classificação e padrão normativo. A (re)leitura da obra que este ensaio propõe questiona alguns dos lugares-comuns que envolvem o escritor e o confinam a um lugar «marginal» no campo literário português, nomeadamente a relação conflituosa com Eça de Queirós e a «vinculação» ao Realismo/Naturalismo, oitocentistas, destacando o contributo decisivo de Fialho de Almeida na construção da nossa modernidade estética.
Foi esse limiar incerto, a partir do qual se vislumbra o mundo moderno que viríamos a reconhecer como nosso, que desde logo nos fascinou e que procurámos definir ao longo destas páginas.A personagem de Helena na Ilíada afigura-se-nos dotada de excepcionais capacidades de raciocínio, que lhe facilitam a vida em meio hostil. Um traço surpreendente da personagem, de resto retomado na Odisseia, é a estratégia de desmontar os possíveis insultos de que poderia ser alvo, aplicando-os, ela própria, a si mesma. A sua "cadelice" é trazida à colação pela própria, um pouco a despropósito, no Canto VI da Ilíada, na conversa com Heitor e de novo na Odisseia, decerto para consternação dos dois jovens pudicos, Telémaco e Pisístrato, pouco habituados a ouvirem uma rainha grega a qualificar-se de "cadela". A naturalidade com que Helena refere a sua própria lascívia impressionou gerações de leitores.
«Falta muito?, perguntou Myra, no desvio do descampado deserto, agreste de árvores cinza na madrugada, rebanhos de ovelhas e bois com a cabeça descida à terra ocre, de fome, de sono.
Falta o que falta da tua história. E o Sr. Kleber sorriu.
Não tenhas medo, miúda. Em todas as histórias há sempre uma ponta do paraíso, um véu de clemência que estende uma ponta, fugaz que seja.»
«O céu estava baixo e muito escuro. Havia estrias roxas e verdes na distância mais clareada do horizonte e pareciam, céu e mar, uma única onda a levantar-se para cobrir a terra. Myra tirou os sapatos e as meias rotas e ficou parada a ver aquele assombro. Se corresse por ali adentro ninguém daria com ela nunca mais, nem no país dali, nem em nenhum outro.»
(excertos)
O livro contem um caderno de ilustrações de Ilda David'.
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