«Caro Diário, ao contrário do que se diz de mim na imprensa e nas redes sociais, eu não sou indiferente ao sofrimento dos portugueses por causa da minha austeridade. E para provar isso, estou disposto a criar um blogue – sob um nome fictício - para ajudar os contribuintes portugueses a poupar para terem dinheiro para pagar os meus impostos, taxas e outras alterações de última hora que eu tiver que fazer para arranjar os milhões que a Troika exige. Serão conselhos simples, de fácil execução e ao alcance de todos:
- Não atire ovos a ministros deste Governo; utilize-os no pequeno-almoço;
- Nos saldos compre a roupa para a sua família para os próximos 10 anos;
- Nunca utilize transportes públicos para destinos a menos de 5 quilómetros; saia de casa mais cedo e vai ver que chega a horas;
- Não saia de casa para participar numa manifestação contra este Governo; fique em casa a ler um livro ou a ouvir o relato de futebol, agora que já não tem dinheiro para renovar a assinatura da Sport Tv;
- Não assobie sempre que passar perto do Senhor Primeiro-Ministro Passos Coelho; poupa as custas de um processo por difamação;
- Não ponha todos os seus filhos na escola ao mesmo tempo; pratique a rotatividade: enquanto uns andam na escola, os outros trabalham para ajudar a pagar as propinas;
- Não compre nada a alguém com o nome terminado em Vale e Azevedo; se o fizer, vai comprar algo que nunca será seu;
- Sempre que tiver saudades de comer um bife, contenha-se e peça salsichas que são muito mais baratas;
- Para gastar menos solas dos sapatos não dê passos curtinhos, salte;
- Se um estranho lhe der conselhos e se esse estranho for o ministro Miguel Relvas, compre.»
A carreira política de Mário Soares não se compara, na realidade, com a de nenhum outro português. No seu currículo conta com 70 anos de vida política ativa. Durante este período foi: cabeça de lista ou em nome individual, disputou 10 atos eleitorais, dos quais venceu seis (constituintes de 1975, legislativas de 1976 e 1983, presidenciais de 1986 e 1991 e europeias de 1999) e perdeu quatro (legislativas de 1969, 1979 e 1980 e presidenciais de 2006). Não admira, por isso que Mário Soares seja considerado um nome maior do século XX português e o pai da democracia portuguesa. Hoje, aos 88 anos, continua a ser uma voz ativa na política, considerada pela sociedade civil. Um verdadeiro senador. A apetência pelo poder nasceu cedo, estimulada por uma educação de príncipe que parecia programá-lo para o destino que viria a ter. Mas o seu período de formação decorreu contudo em ambiente hostil, no qual teve de enfrentar a cadeia por 12 vezes. Teria sido mais fácil abandonar os desígnios políticos e enveredar por uma carreira profissional estável e próspera como advogado. Resistiu. Ganhou fibra, a mesma que viria a manifestar em diferentes situações ao longo da vida, como, por exemplo, na rutura com os comunistas, no lançamento de um movimento social-democrata em plena ditadura, no patrocínio jurídico à causa da família do assassinado general Humberto Delgado, na teimosa opção por uma candidatura separada do resto da oposição em 1969, na fundação do Partido Socialista, na liderança do movimento contra a radicalização no período revolucionário, na defesa da integração europeia de Portugal, na rutura com António Ramalho Eanes, ou nas opções para a revisão constitucional de 1982. Soares mostrou-se sempre à frente do seu tempo. Para os portugueses sempre foi o «Bochechas». O homem que todos gritavam na rua «Soares é fixe». Afinal, Soares não se portava como um político remetido ao seu Olimpo, mas como um português comum, com as suas dúvidas e hesitações, baralhando números e menosprezando estudos, capaz de dialogar de igual para igual tanto com príncipes como com plebeus, relevando da mesma maneira as cerimónias oficiais e os contactos de rua, sorrindo até nas mais adversas circunstâncias, bonacheirão, atencioso, incapaz de dispensar os melhores confortos, um bom almoço ou uma sesta retemperadora. Sempre foi o presidente de todos os portugueses. O jornalista Joaquim Vieira, depois de vários anos de investigação, e de entrevistas ao próprio biografado, a amigos e inimigos, traça-nos a história de uma vida complexa, com algumas sombras por revelar, como o caso do fax de Macau.
Um livro fundamental não só para perceber o homem, mas também a História recente de Portugal
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário